domingo, 2 de dezembro de 2007



Carta a Mário de Sá-Carneiro


Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim. Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueca. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga. Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a crianca triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Marco, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.No jardim que entrevejo pelas janela caladas do meu sequestro, atiraram com todos os baloucos para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto; e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginacão, ter baloucos para esquecer a hora.Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do "Marinheiro" ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se. Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena - chia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar.Pode ser que, se não deitar hoje esta carta no correio amanha, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no "Livro do Desassossego". Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual. Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferentes destes.


De que cor será sentir?


Milhares de abracos do seu, sempre muito seu,


Fernando Pessoa



P.S. - Escrevi esta carta de um jacto. Relendo-a, vejo que, decididamente, a copiarei amanha, antes de lha mandar. Poucas vezes tenho tão completamente escrito o meu psiquismo, com todas as suas atitudes sentimentais e intelectuais, com toda a sua histero-neurastenia fundamental, com todas aquelas intersecções e esquinas na consciência de si-próprio que dele são tao características...


Você acha-me razão, não é verdade?


(em 14 de Março de 1916)

sábado, 28 de julho de 2007

GRAMOPHANTE?

O rock não acabou! Certamente o clichê "sexo, dogras e rock'n roll" esteja ultrapassado diante da constante necessidade de transgressão. Não poder haver dor no rock. Por conta disto trangredir as fórmulas se torna necessidade, prazer supremo dos embriões do novo tempo. E para tanto, subverter o cotidiano resulta em delírio. Porque não um power trio somado a uma voz pouco provável? Nada seria tão saturado, se não fosse as intenções de destruição da verdade e e de submissão da certeza. Não respeitamos o que é sólido, por isso somos um " trio poderoso" composto por quatro corações desasjustados e completamente imersos num sem-fim de barulhos líquidos e efeitos transitórios de longa duração. O rock não precisa ser salvo! GRAMOPHANTE, o eterno retorno.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Morfina




Então fiquemos com a possibilidade do futuro, pois nada será como antigamente... (Contudo houve flores no meu jardim)Aquela velha idéia sobre o mundo, ficou menos colorida... compramos o idérario do mundo prestes a vencer com toda a sorte de coisas superficias. Alguma coisa entre o fracasso estético e a ânsia pelo novo, algo que regenera as intenções e reafirma a relação com um outro mundo: a eterna luta por coisa alguma, é uma juventude problemática. Então, tragam três pratos de tripa para um tigre triste ou me deixem ir sozinho para o inferno, com toda minha desiluzão com o mundo. Já que o silêncio purifica o tédio do lado de fora da casa, não há motivos pra esconder o cansaço. O mundo escolheu a si mesmo. Guardei o melhor disco na estante da sala, só pra imaginar o quanto fui distante... comprei cigarros que nunca irei fumar e uma jaqueta pra dias de calor... Fui ao bosque e só encontei ervas daninhas... Ainda ouço do outro lado da rua, o mundo que poderia ter sido... fora da paisagem e completamente entorpecido pelo veneno servido gelado...

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Que caminho seguir?


Siga a sua liberdade...

Em busca da decadência...


A humanidade vem buscando cegamente a decadência sem elegância, o dita pós-modernidade do intelectualismo em crise, ou para muitos, a repetição por uma questão de unanimidade anônima. Tem gente por aí que continua rindo da mesma piada há décadas, insistindo em não compreender o significado do riso, descartando a poesia na fabricação de debates inúteis e perfis de Orkut “superlotados”. O espaço para a arte, para a política e para a ciência está reduzido aos sobreviventes que optaram pela falta de grana e a exuberância de sues trabalhos, desconhecidamente honestos. Enquanto isso os professores falam da vontade de dominar e da luta pela sobrevivência para alunos cada vez mais preocupados com a possível estabilidade financeira parasita e decrépita.
Não dá mais pra ir “Em busca do tempo perdido”, porque as velhas drogas não fazem os mesmos efeitos que faziam há três décadas. As universidades estão por demais preocupadas com o ideário progressista, vomitando a conquista de seus docentes como um verniz que camufla suas aberrações. Não dá mais pra acreditar nas instituições, as utopias não apaixonam e (quase) ninguém quer mais saber de arte que não seja planejada. O ser passional está resumido ao caroço, “zipado” pelo relativismo, virtualizado pela moral, desumanizado pelo desejo de apenas existir.
As novas tendências apontam para o passado, porque o que foi feito é bom, mas há gente de mais querendo fórmulas e manuais que não indicam soluções para o presente. Tudo está sendo mal formulado enquanto o invencionismo continua esbarrando no cerceamento moral das sociedades de consumo. As idéias já não nascem, morrem. Que caminho seguir?